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Que isso Apple?

Apple pressiona youtuber colombiano que ensina como consertar iPhone

Wilmer Becerra acumula mais de 12 milhões de seguidores e rede de assistência técnica na América Latina

Wiltech conserta iPhone da Apple
Créditos: Reprodução/Instagram

A Apple pressionou o youtuber colombiano Wilmer Becerra a parar de exibir o logo da maçã em seus vídeos, nos quais ele ensina como consertar iPhones, iPads e iMacs. Becerra, que acumula mais de 12 milhões de seguidores em suas redes sociais, se recusou a atender ao pedido e o caso ganhou repercussão internacional.

Em entrevista à Folha, Becerra afirmou que não pretende aceitar a proposta da Apple, porque uma das diretrizes da empresa para parceiros autorizados é não fazer reparos de peças com defeito e sim trocá-las, o que limita o serviço.

O engenheiro colombiano defende o direito ao reparo, que associa direito de propriedade, de livre concorrência e de preservação do meio ambiente para permitir o conserto de bens duráveis.

A Apple quer que a gente só compre aparelhos novos. Isso é um problema para o meio ambiente“, disse Becerra.

Começo a partir da curiosidade e oportunidade que a Apple cedeu

Becerra, um colombiano de 35 anos, desenvolveu seu interesse pela eletrônica durante seus anos no ensino médio em Bucaramanga, a capital do departamento de Santander, no nordeste da Colômbia. Vindo de uma família modesta, com um pai que era transportador de cargas e uma mãe dona de casa, Wilmer encontrou seu caminho na educação com o apoio financeiro da Icetex, uma instituição estatal que concede empréstimos educacionais a indivíduos com recursos limitados. Para completar seus estudos, ele trabalhou durante o dia e estudou à noite.

Desde que consegui meu primeiro emprego consertando laptops, eu sabia que estava no lugar certo“, relembra ele em uma conversa com o El País. Após aproximadamente um ano trabalhando no setor, ele decidiu se aventurar como freelancer.

A oportunidade de negócio surgiu quando Becerra começou a receber clientes insatisfeitos. “Alguns deles me disseram: ‘Fui até a Apple, e o custo do conserto, se fosse possível, seria quase o mesmo preço de um novo dispositivo’. Foi então que percebi que havia um nicho de mercado não atendido, pessoas que procuravam soluções viáveis. Dado o alto valor desses dispositivos, não era uma questão de simplesmente descartá-los e comprar um novo“, ressalta Becerra.

Wilmer Becerra passou horas desvendando os intricados sistemas e componentes desses dispositivos eletrônicos. À medida que crescia como empreendedor, ele também começou a compartilhar seu trabalho em plataformas de redes sociais, como o TikTok, onde agora conta com 5,3 milhões de seguidores.

Aproveitando o aumento da presença digital durante a pandemia, Becerra passou a educar seu público sobre o funcionamento e os processos de reparo de diversos dispositivos, desde celulares até computadores. Dessa forma, ele trouxe à luz uma atividade que costumava ficar oculta nas oficinas de entusiastas da eletrônica.

A marca de Wilmer se expandiu para além das fronteiras colombianas, alcançando outros países da América Latina, incluindo México e Argentina. Em agosto, ele relatou ter recebido uma notificação extrajudicial da Apple, enviada por seus representantes legais, que exigia que ele cessasse o uso dos logotipos da empresa, parasse de se apresentar como um serviço autorizado e interrompesse a oferta de suporte para produtos da Apple.

Em resposta, o reparador colombiano fez uma declaração pública. “O proprietário de um iPhone não deveria ter a autonomia de decidir onde consertar seus próprios dispositivos? Neste mundo saturado de resíduos eletrônicos, oferecer uma alternativa para revitalizar um dispositivo e evitar sua disposição inadequada não deveria ser considerado correto?“, questionou ele em suas redes sociais.

Proteger o meio ambiente e combater o consumo exacerbado

A legislação brasileira não cita o direito ao reparo, nem há precedente judicial sobre tal garantia. A advogada Marina Lucena afirma, todavia, que é possível evocar essa proteção a partir da defesa do consumidor, da livre concorrência e da garantia ao meio ambiente.

As empresas, segundo Lucena, usam como argumento a cibersegurança e a prevenção à pirataria. O sistema mais fechado da Apple, por exemplo, dificulta a localização de vulnerabilidades, que abrem caminhos para golpes.

Os defensores do direito ao reparo criticam o acúmulo de lixo eletrônico, já que os aparelhos têm um tempo útil predeterminado, o que ficou conhecido como obsolescência programada.

Citam também o direito de o proprietário escolher onde quer consertar o aparelho e de outros negócios poderem concorrer pela demanda das fabricantes.

As discussões sobre o direito ao reparo ganharam projeção durante a pandemia de Covid-19, quando equipamentos médicos com a vida útil estendida pelo conserto se mostraram providenciais para o enfrentamento ao vírus.

Wilmer Becerra afirma que começou a se interessar por computadores e placas lógicas antes de ingressar no curso técnico de eletrônica. Ele se formou em engenharia elétrica, antes de abrir sua primeira assistência técnica, voltada a notebooks.

“É a prática que fortalece o conhecimento. Saber as peças, trocá-las, entender as soldas e as ferramentas”, afirma.

A popularização do debate abriu espaço para fóruns na internet com manuais e guias sobre diversos aparelhos. O site iFixit reúne, em inglês, informações sobre conserto de roupas, eletrodomésticos, carros, celulares e até aparelhos médicos.

Entre os apoiadores dessa biblioteca estão concorrentes da Apple, mas não a fabricante do iPhone.

Via: Folha de S.Paulo, El País